quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O preservativo

Morar em uma metrópole como São Paulo tem consequências positivas e negativas.
Afora poluição, trânsito caótico, insegurança e excesso de corintianos, sobram muitas coisas boas. O lazer é uma delas.
A cabeça mais aberta do paulistano é outra.
E olha que eu não estou falando daqueles descoladinhos que transam tudo e todos (se é que vocês me entendem...).
Eu estou dizendo é que em uma cidade grande, parece que as pessoas conseguem ser mais esclarecidas, ter menos tabus e mitos do que a população de cidades muito menores.
Tudo bem que, ainda existem em um número razoável, aqueles que ainda persistem no rigor de uma moral pré-século XIX.
Como também no meu reduto de bons caipiras (eita, interiorzão), há aqueles que já não deixam nada a desejar a toda onda de "modismos pós-contemporâneos" (olha a Globo aí, gente...).
Se hoje, quase no início do século XXI é assim, imagine há vinte e poucos anos atrás.
Falar abertamente sobre sexo, doenças venéreas e prevenção, na maioria das famílias da minha cidade, nem pensar (apesar da insistência da TV em discuti-las).
A professora de ciências, na minha escola, era a nossa única referência sobre o assunto (e que referência, que professora...).
Quando iniciei a minha vida sexual, fiz de maneira quase clandestina, sem muita informação.
Mas, depois de grandes campanhas para evitar o crescimento da AIDS, reforçadas pelas tristes mortes de algumas celebridades, abateu-se sobre o município a preocupação com essa doença que já "deixava de ser apenas de drogados e homossexuais" (quanta ignorância a nossa...).
A partir daí, passou a ser comum, mesmo lá no interiorzão, a distribuição de preservativos e informações por diversas entidades, algo natural, hoje em dia.
Antes disso, bem antes, por sinal, o meu primeiro contato com a famosa "camisa de vênus" foi por imposição de uma pseudo-namorada que, conscientemente, tinha medo de engravidar-se e exigiu na nossa primeira relação, que eu me apresentasse devidamente prevenido.
Vocês não tem ideia o que é chegar em uma farmácia bem pequena, de uma cidade menor ainda, em plena década de oitenta para comprar um preservativo.
E olha que eu procurei um estabelecimento bem distante do meu bairro (sim, cidades pequenas também se dividem em bairros, mesmo a maioria deles tendo apenas cinco ou seis ruas).
Cheguei já no final da tarde e a única pessoa que estava ali, no balcão era uma jovem senhora, com jeito de beata.
Imaginem!
Eu já tinha atravessado a cidade toda (umas dez ruas) para comprar a minha garantia de "sexo seguro" em um local onde eu não pudesse ser reconhecido, próximo ao horário de baixar as portas (naquela época, quem precisasse de remédio à noite, era só bater na porta do farmacêutico que morava nos fundos da sua farmácia) e dei um tremendo azar ao ser atendido por uma... MULHER!
Óbvio, que eu não pedi o que queria (e como queria).
Disse que precisava de um analgésico para a minha dor de cabeça (de fato ia começar a doer mesmo...).
Fui prontamente atendido.
Enrolei mais um pouco, pois há sempre a esperança de aparecer um outro funcionário (repito, funcionáriO) e ao perceber que ela já começava a se inquietar pela maneira como eu corria os olhos pelas prateleiras, de maneira ainda indecisa, acabei pedindo um envelope de Alka-seltzer (alguém ainda se lembra?).
Mais alguns minutos depois e percebendo que ela olhava insistentemente para o relógio, a fim de fechar logo a botica, acabei me dirigindo para o caixa para pagar as minhas duas compras e sem levar o que eu tinha ido buscar, com a cara mais desanimada do mundo.
Mas, infelizmente, a minha grande vergonha (para isso, é claro) me impedia de pedir o preservativo.
A própria atendente pegou a nota que dei e, ao procurar o troco, percebeu que não haviam moedas para me devolver.
Então, ela abriu um sorriso amarelado e me disse:
- "Eu não tenho troco. Você não se importa em levar uma camisinha..."

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