quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Alegoria de um agricultor amador

Eu gosto muito de alegorias.
Influência de Platão, principalmente da "Alegoria da caverna", onde um dos indivíduos vence os seus medos e sai da caverna, descobrindo a luz de um novo mundo mais interessante, mais estimulante e com novas possibilidades.
Mas, por enquanto, isso não vem ao caso...
O que eu quero me atrever a contar é que a minha relação com a natureza é muito grande.
Devido a isso, num passado mais distante, cheguei até mesmo a me sentir um pouco envergonhado pela aspereza das minhas mãos, já que em todos os finais de semana eu ia para a chácara dos meus pais e mexia diretamente com a terra, pegava na enxada, arrancava muito mato com as mãos, roçava...
Hoje, contra a minha vontade (pela falta de tempo), não tenho ido mais para lá (me dá saudade), mas mesmo assim, ainda restam alguns poucos calos, resultado daquele trabalho. Também não tenho mais vergonha que me toquem a palma da mão. Pelo contrário, até me orgulho disso.
Adorava trabalhar na horta, enquanto a preferência da minha mãe era pelo jardim e a do meu pai era pelo pomar.
Quem via de fora, achava bem interessante aquilo: a horta era a minha "menina dos olhos", o pomar era o orgulho do meu pai e o jardim, o "xodó" da minha mãe.
Nesses dias que estou bem longe deles, fiquei pensando muito naquilo que fazíamos e no que nos dedicávamos. Acho até que nesses últimos finais de semana, estou sentindo um pouco de BANZO (um mal que acometia os escravos, à noite, nas senzalas, com saudade da África).
Por isso, pensei nessa alegoria.
O porquê das atividades e das preferências de nós três: a horta, o pomar e o jardim, coisas bem distintas para quem conhece o trabalho da roça.
Ao trabalhar na horta, eu tinha uma grande preocupação em levantar bem o canteiro para evitar que a água retirasse parte do solo, muitas vezes colocava telhas e tijolos na sua lateral, para deixá-lo mais firme e, sempre antes de plantá-lo, afofava-o com a enxada e colocava muito, muito esterco. Depois de regá-lo bastante, o cobria com folhas de palmeira, para manter a terra úmida e evitar um mal comum na nossa região (a laterização). Fazia, então, o plantio, geralmente com mudinhas que eu já tinha semeado anteriormente em uma bandeja com um composto fértil, sendo escolhidas somente aquelas que eu achava ser as mais resistentes e vistosas.
Com o passar do tempo nasciam muitas ervas daninhas, ao lado das plantinhas, no canteiro. Então era o momento de me acocorar e, com as mãos, arrancava uma a uma essas invasoras que poderiam consumir parte dos nutrientes fundamentais para o bom desenvolvimento das "minhas mudinhas", impedindo-as de crescerem fortes e bonitas. Quando necessário também fazia uma proteção com paus para evitar a visita de pássaros, ou então, uma calda com fumo, que jogava sobre elas para coibir o ataque de insetos e pulgões.
Ao associar essa minha preferência pela horta com a minha vida, consegui perceber que eu tinha uma grande facilidade em cultivar novas amizades, principalmente nos meus locais de convivência diária, como no meu local de trabalho e nas minhas viagens. Eu preparava bem o terreno, "escolhia" as pessoas que tinha mais afinidade e retirava da minha convivência algumas "ervas daninhas", espantando também outros males que poderiam danificar aquelas amizades que eu cuidava com tanto carinho.
Mas, era na realidade, a mesma coisa que a minha horta, já que essas amizades duravam o tempo que nós convivíamos na escola ou nos outros lugares, já que o ciclo de vida das hortaliças também é muito curto, resultando sempre na renovação dos canteiros.
Percebi que, quando deixava de conviver diariamente com essas pessoas (o mesmo cuidado diário que a horticultura exige), a nossa amizade esfriava e, com o tempo, se acabava.
Procurei, então, entender o porquê de meu pai preferir o pomar, já que ele sempre dizia que o que estava plantado ali, durava vários anos (algumas árvores duram mais "que uma vida", existindo por duas, três ou mais gerações) e, mesmo quando estamos distantes, elas são tão sólidas e resistentes, que conseguem sobreviver sem os cuidados diários que uma horta exige. Resistem à secas muito prolongadas e até mesmo a grandes intempéries ou tempestades. Lembro-me de um abacateiro, cultivado há muito tempo que, numa tempestade de verão, foi atingido por um raio e quebrou-se ao meio, pegando fogo também. Eu queria cortá-lo, para plantar um novo abacateiro, mas o meu pai disse que ele era tão resistente, que novamente brotaria com mais força ainda.
É impressionante como eu olho para aquela árvore, que para mim tinha morrido e, hoje, apresenta-se vigorosa, frutificada, com os galhos novos saindo da antiga estrutura danificada. Como algumas amizades, que deveriam resistir a tudo.
Na minha horta, as frágeis plantinhas (entenda como as minhas "frágeis amizades"), não resistiriam sequer a uma ventania, quanto mais a uma tempestade. O abacateiro do meu pai renasceu, como algumas amizades sólidas que passam por intempéries e ressurgem, ainda mais fortalecidas.
A partir de então, continuo cultivando a "minha horta", mas tenho tentado plantar alguns abacateiros, no pomar das minhas relações. Espero que eu tenha a competência do meu pai, para fazê-los fortes e resistentes e, mesmo distantes, possam manter-se vivos e bem frutificados.
Procure entender que eu sou mais um HORTICULTOR do que um FRUTICULTOR. Mas, vou tentar fazer florescer os "meus abacateiros", pois só assim terei certeza que eles ficarão resistentes a muitas tempestades ou a uma grande distância, já que as suas raízes longas conseguem buscar água em grandes profundidades, não necessitando de se regar diariamente.
Quanto ao jardim, muito bem cultivado pela minha mãe, me vejo presente nele, cuidado por mãos delicadas e muito rígidas, que me ensinaram valores e sensibilidade, fazendo florescer várias espécies diferentes e exóticas, que enfeitam a parte mais importante da nossa casa: a sua entrada.
Um filho será sempre a principal e a melhor apresentação da sua mãe, da sua criação...

Nenhum comentário:

Postar um comentário