sexta-feira, 23 de abril de 2010

O outro lado da cama

Quarenta anos!
Praticamente meia vida!
A grande lição que tirei desse tempo todo é que olhar somente para dentro é um grande desperdício.
O mundo tá aí!
E nessa minha primeira noite que passei na casa dos quarenta, resolvi mudar.
Comecei mudando o lado em que eu me deitava, todas as noites, nos últimos anos.
E, apesar de dormir sozinho em uma cama muito grande , dessas tipo "king size", eu sempre ocupava o mesmo lado dela.
Isso fez uma pequena concavidade no colchão.
Então resolvi dormir do outro lado.
Amanheci um outro homem!
Descansado, renovado e muito vívido.
Depois, me pus a pensar na quantidade de noites mal repousadas e dias sonolentos que tive, devido a um costume teimoso e inexplicável de só dormir no mesmo lado da cama.
Revolucionei o meu dia, com uma simples mudança na minha noite.
Então, me esforçarei para que esses outros quarenta anos que eu ainda vou viver, sejam tão renovadores, como o outro lado do colchão...

terça-feira, 20 de abril de 2010

Megassena

Sempre tive na família pessoas que gostam de apostar em alguma forma de jogo.
Felizmente, nada compulsivo, como aquelas velhinhas que frequentam o submundo dos bingos clandestinos ou os fanáticos pelo colorido iluminado dos caça níqueis, que ainda estão espalhados pela periferia da grande São Paulo.
Lembro-me bem do meu avô paterno, que sempre fazia os seus joguinhos na loteria esportiva e na loto.
Chegava a suar frio quando começava acertando algum número na sua conferência (não me lembro dele ter acertado mais do que dois números em nenhum jogo).
Essa sua mania (ou seria vício) passou para o seu filho do meio, no caso, o meu pai.
Sempre que pode, ele faz os seus joguinhos (prefere a megassena), usando a mesma combinação de números, que retirou das datas de nascimento dele, da minha mãe e da minha tia.
Impreterivelmente, três jogos de seis números.
Diz que quer acertar junto com outros apostadores para que nunca saibam quem acertou o conjunto de números. Gosta do anonimato para essas coisas.
Um dia desses, inclusive, teria acertado uma quina e duas quadras, se não se esquecesse de jogar (quase chorou de raiva).
Todo domingo, ele sai com o cachorrinho da família para comprar o jornal da cidade e conferir o resultado do sorteio do dia anterior (faz isso, mesmo quando não joga).
É uma rotina interessante.
Num desses domingos em que eu o visitava, acordei muito cedo e entrei no computador para ler algumas mensagens.
Ao abrir a página do site, vi que havia um único acertador da megassena acumulada, justamente da cidade de São Paulo.
Anotei os números que foram sorteados, em um pedaço de papel, e esperei o meu pai chegar com o jornal.
Ao entrar na cozinha, fui até ele e mostrei o papel que eu havia copiado da tela do computador, dizendo que eu os havia jogado, mas tinha deixado o bilhete no bolso do meu avental de professor.
Ele achou interessante a minha iniciativa, já que eu nunca jogo ou aposto em nada que envolva dinheiro ou outros bens.
Brincou até que a minha sorte de principiante poderia trazer algum acerto.
Quando ele começou a conferir os números, acreditando que eu havia jogado, de fato, arregalou os olhos e começou a tremer (o jornal balançava como se estivesse em uma manhã de muito vento).
Olhou para mim e com uma voz embargada, me perguntou se era verdade mesmo.
Óbvio que temendo o pior, eu disse que era uma brincadeira, pois eu já sabia a sequência sorteada.
Até hoje eu não sei se a expressão dele, após aquele momento foi de decepção ou de alívio!
Mas, o que eu tenho certeza, é que ele nunca mais vai acreditar em mim, nem quando eu tiver que revelar que fui o único acertador da megassena acumulada da semana passada...

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Moldura

Eu sou do tempo do filme de máquina fotográfica.
Inclusive fui um dos últimos na cidade a abandonar definitivamente a máquina analógica (aquela que precisava comprar filme e depois revelá-lo).
Confesso que também não me adaptei muito com as digitais, mas mesmo assim tenho uma para clicar alguns momentos básicos, como reuniões em família e OVNI's.
Mas, tenho que admitir que era um grande barato ter que clicar algo e só ver o resultado final após a revelação.
Eu demorava muito mais para focalizar, para chegar a um enquadramento perfeito ou então para usar todas as benesses de uma boa luminosidade.
De fato, não era legal "perder fotos", algo comum quando não tínhamos a paciência ou as técnicas necessárias para um resultado satisfatório.
Pior ainda era quando buscávamos as revelações nas "fotóticas da vida" (acho que isso nem existe mais) e a mocinha nos mostrava alguma foto mal enquadrada ou com aquele indefectível dedo, na frente da paisagem.
Isso só não era pior do que o fotógrafo colocar o seu retrato 3X4 na vitrine, ao lado de dezenas de outras pessoas com feições sérias, parecendo um grande quadro de "procura-se"...
Mas, havia também o outro lado, que era quando tirávamos fotos perfeitas e ao receber elogios das atendentes, saíamos andando feito um Sebastião Salgado.
Em uma dessas vezes, captei umas imagens tão interessantes, feitas com filtro na lente da minha Canon, que mereciam uma ampliação 20x30, daquelas que serviriam de presente para amigos e parentes próximos.
Escolhi três fotos e pedi para ver algumas molduras que melhor valorizariam as imagens.
Haviam várias opções, mostradas por uma balconista de olhos negros e muito linda que, por sinal, havia se encantado com a minha sensibilidade ao captar tais instantâneos.
Gostei de um porta retratos feito com um sanduíche de vidros, com quatro parafusos prateados, bem discretos.
Para fazer uma pequena graça para a atendente e mostrar que além da minha sensibilidade fotográfica, eu também tinha um bom senso de humor, fui logo comentando:
- "Gostei desse daqui, mas só espero que não venha com o retrato dessa mocinha feia e vesguinha, aqui da foto."
A moça, toda sem graça, foi logo retirando a imagem que estava no porta retratos e antes de me passar a mercadoria, me responde:
- " Eu disse para o meu pai que eu não sou fotogênica mesmo. Mas, mesmo assim ele insistiu em colocar a minha foto da época que eu estudava no colegial..."
Engoli seco, desculpei-me, tentei consertar a indelicadeza, mas fui embora com a certeza que a minha sensibilidade durava apenas o instante de um clic.

sábado, 3 de abril de 2010

Eterna gravidez

Ser mãe é um sonho possível para muitas mulheres.
Mas, para outras, é um caminho que deve ser trilhado com muita fé e persistência, pois encontram muitas dificuldades para engravidar.
No colégio onde trabalho, havia uma dessas senhoras que, pelo excesso de peso e avantajar dos anos, ainda não havia conseguido concretizar esse sonho.
E era de conhecimento de todos nós, que a lei do "crescei-vos e multiplicai-vos" estava no topo da lista das suas necessidades.
Inclusive, a sua situação nos comovia muito, principalmente porque deixava a sua auto-estima lá no chão de ardósia, das salas de aula da nossa escola.
Comovidos, sempre que podíamos, a deixávamos mais leve (apesar dos seus mais de cento e vinte quilos), com brincadeiras delicadas e elogios ao seu bom aproveitamento como professora (o que era mentira, já que os alunos não gostavam muito da sua metodologia, não).
Até que, no final do ano letivo, após uma notada ausência dela, recebemos a agradável notícia que ela estava grávida.
Ficamos felizes, de verdade, principalmente por saber que ela merecia tamanha alegria.
O ano virou, meses se passaram e, mesmo sem perceber muita diferença no seu corpo, vibramos pela segunda vez quando ela nos contou que seria mamãe de uma linda menininha, que receberia o nome de Vitória (nem precisa explicar o porquê).
Chegou o mês de junho e por complicações entendíveis, ela antecipou o parto e, mesmo prematura, deu a luz, de fato, a uma linda menininha.
Vieram as férias e fomos visitá-las já em casa, onde conhecemos o orgulhoso papai do lindo bebê.
Em agosto, após as nossas merecidas férias, a mais nova mamãe foi até o colégio, sozinha, já que tinha deixado o seu bebezinho bem protegido do frio seco daqueles dias, na casa da avó materna.
Me encontrou no balcão da xerox, quando me confidenciou a dificuldade de perder o peso necessário para conseguir dar uma boa qualidade de vida à sua filha.
Nisso, chega o mais distraído e simpático professor do colégio, o meu grande amigo Toninho.
Com toda a sua delicadeza, nos seus dois metros de pura desorientação, dá um beijo na professora, coloca a mão na sua barriga e pergunta, com toda a inocência do mundo:
- "E aí, professora, vai nascer quando?"

Toninho

Nesses dias de intenso trabalho, em que não tenho tido tempo para quase nada, dei-me uns minutos de reflexão sobre outras épocas, onde trabalhava-se menos e vivia-se muito mais intensamente.
Revivi, em pensamento, um pedacinho do final da década de noventa, ao lado de um grande e inesquecível amigo: o Toninho.
Grande não só na estatura ou na simpatia, mas também na lealdade que uma boa amizade necessita.
O cara era notado onde passava, mesmo quando não se conseguia vê-lo.
Falava tão alto que, da sala dos professores do colégio, conseguíamos perceber que ele estava adentrando no mesmo.
Era o rei da simpatia, pois conversava com todos e com tudo (mais de uma vez peguei ele esbravejando contra o computador, que teimava em não atendê-lo).
Sempre tinha um comentário pertinente para qualquer situação que vivia ou que lhe contassem.
Era muito engraçado, mesmo quando não queria sê-lo.
Vivia situações que só aconteciam com ele.
Em uma visita à Florianópolis, sua terra adotiva, pude perceber o quanto era importante para ele o respeito entre as pessoas.
Primeiro porque ele se julgava o rei de Floripa (e era mesmo). Depois porque ele odiava o jeito desrespeitoso de alguns gringos em relação aos manezinhos, os nativos da ilha.
Tinha birra especialmente de "nostros hermanos portenhos".
Em um sábado nublado e de pouco movimento na praia da Barra da Conceição, estávamos sentados em uma agradável barraca, na areia, quando surgiu um grupo imenso de argentinos, indo do calçadão em direção ao mar.
Meu amigo, logo que visualizou o grupo, já torceu o nariz e comentou em voz alta: esses caras acham que são os donos da praia!
Fiquei um pouquinho apreensivo, pois percebi que eles iam passar justamente do nosso lado.
Não deu outra, pois quando a trupe portenha cruzou a nossa mesa, nos jogou bastante areia, com os seus chinelões e seu andar arrastado e insolente.
O Toninho levantou-se indignado e gritou com o grupo que já se afastava:
- "Hei, cambada! Onde vocês pensam que estão? Aqui é o Brasil, seus vagabundos. E se não quiserem levar uma surra tem que aprender a se comportar."
Claro que as palavras não foram bem essas, mas mesmo não as reproduzindo "ipsis literis", acho que deu para se entender a indignação do meu amigo.
Eu também me levantei e quase que implorei para ele:
- "Deixa disso, cara, pelo amor de Deus! Eles não fizeram de propósito não!"
Na mesma hora, o Toninho me respondeu com aquela voz rouca e num tom audível em toda Florianópolis, que faria aqueles caras respeitarem as regras do local, nem que fosse na marra.
Quando vi que o grupo parou e que voltou em nossa direção, pensei na estratégia de pegar uma cadeira, acertar um deles com toda a minha força e sair correndo como nunca fiz em toda a vida.
Mas, para o meu espanto e deleite total do meu amigo, o mais cabeludo deles se aproximou e, em nome do grupo, se desculpou educadamente pelo gesto deselegante dos seus amigos.
Então eles retiraram os chinelões e, com eles nas mãos, seguiram o seu caminho de cabeça baixa até a areia mais dura, nas proximidades da água.
Juro que ouvi até aplausos de alguns banhistas nas mesas ao lado.
Nem precisa dizer que o meu grande amigo, agigantou-se ainda mais e me mostrou, de verdade, o que era ser o "rei da praia".
E, que hoje, sinto muita saudade da sua amizade.
Um forte abraço, meu rei!