terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O maestro

De tão verdadeiras, algumas histórias parecem surreais.
É o caso do chefe da retreta da cidadezinha de Quimbuquira do Sul, lá pelos idos da metade do século dezenove.
Ele nasceu e cresceu naqueles rincões e teve acesso a uma rica instrução educacional, promovida por uma ordem religiosa francesa, estabelecida naquela região, algumas décadas antes.
Aprendeu também com os padres o ofício de padeiro, mas se destacou mais pelo ouvido apuradíssimo que possuia.
Então, passou, automaticamente, para as aulas de música.
Tinha uma habilidade incrível e aprendeu, por isso, a tocar vários instrumentos.
Sem frequentar nenhum conservatório, usando apenas o seu autodidatismo e a boa vontade de meia dúzia de padres músicos, tornou-se regente de uma pequena bandinha que foi formada em solo Sulquimbuquirense.
Com o retorno da ordem clériga para a França, passou a sobreviver das aulas de música que dava em sua casa, além de uma pequena contribuição que a prefeitura lhe oferecia para reger a bandinha municipal (que ele mesmo tinha formado).
Foi a figura máxima da cidade, em termos musicais, por longas décadas.
Apesar da sua fama regional, nunca tinha se aventurado fora das cercanias da sua terra natal.
Ao longo da sua vida, fez muitos estudos musicais, com o canto dos pássaros, o som da chuva, do vento e dos rios. Compôs uma obra respeitável, sempre tentando aprimorá-la, ao máximo.
Mas, ao mesmo tempo que aumentava a sua curiosidade dos sons do entorno, diminuia a sua audição.
Sofria do mal que acometeu Beethoven: a surdez.
Já não conseguia mais reger, compunha com muita dificuldade e interagia menos ainda com as pessoas.
Foi se isolando.
Até que, já no começo do século vinte, chegou em Quimbuquira do Sul, uma extensão da linha férrea, para escoar o café produzido na região.
Os munícipes aguardaram com ansiedade a viagem inaugural da Maria Fumaça.
O velho maestro também, causando espanto nas pessoas mais próximas esse seu súbito interesse naquela novidade.
Justo ele, que era arredio a essas modernidades, que chegavam da Europa.
Dia da inauguração da estação e a pequena população se concentra próxima a linha do trem.
Tinha tudo para ser um dia feliz, com a bandinha musical tocando os dobrados tradicionais, antes do discurso do prefeito e todos com a sua melhor roupa.
Mas, a cidade fica perplexa ao ver o maestro correndo em direção ao trem, que também estava em movimento e vê, estarrecida, a perda do seu velho regente que, por conta da surdez, morreu ao se aproximar muito da máquina, pois queria saber o tom do seu apito.

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