terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Mulher valente

Eram dois amigos de infância, da mesma idade, que cresceram juntos, se apaixonaram antes dos quinze e casaram-se antes dos vinte.
Vieram antes dos vinte e cinco para São Paulo, fizeram muitas amizades e antes dos trinta já tinham um casal de filhos.
Até então, o marido tinha passado por algumas crises financeiras e a esposa, sempre fiel, às prerrogativas do matrimônio, manteve-se firme, ao seu lado.
Mas, antes dos trinta e cinco, ele começou a perceber que aquela mulher doce e compreensiva, que estava ao seu lado desde a primeira idade, começava a transformar-se em outra pessoa.
Estava mais impaciente, menos carinhosa, começava a gritar com mais frequência com ele e com os filhos, brigava muito com a vizinha da direita (tampouco se entendia com a da esquerda), ou seja, a idade da loba não estava lhe fazendo muito bem.
Na mesma proporção que ele ficava mais compreensivo com aquela situação, ela ficava mais brava ainda.
Deu até para implicar com os amigos dele.
Não podia mais beber aquela cervejinha após o futebolzinho de sábado, que ela já brigava.
Responder os recadinhos do orkut, então nem pensar!
Levar algum amigo para almoçar em casa, era risco iminente, principalmente se ela estivesse na véspera "daqueles dias".
Até que, um dia, antes dos quarenta, ele já cansado daqueles ataques de histeria e muito influenciado pela conversa de meia dúzia de amigos, lá da padaria, resolveu estabelecer uma mudança drástica.
Teria que mostrar a ela, quem, de fato, mandava naquela casa.
Em nome da sua supremacia masculina que, hereditariamente, o colocava como chefe daquele "desequilibrado lar", deveria fazer o que bem lhe desse na cabeça, no horário que quisesse e com quem tivesse vontade (sem quebrar a fidelidade consagrada pelo matrimônio, é claro).
Escolheu um sábado de TPM para provar o quanto isso deixava de ser importante para ele e foi jogar o seu futebol costumeiro.
Ficou até bem tarde, enchendo a cara com os amigos e não atendeu nenhuma ligação dela, que só confirmou onde ele estava, depois que passou pela padaria.
Chegou já bem tarde em casa e levou um dos seus amigos para almoçar (pelo correr do horário, parecia mais um jantar).
Ela os recebeu de cara amarrada, mas não disse nada. Parecia até mesmo compreender a revolução que estava em curso, naquele lar.
Ele tomou mais confiança e, sentado à mesa, pediu que ela o servisse.
Pacientemente, ela fez o seu prato.
Antes de começar a comer, ele percebeu que não havia o tradicional feijão, para acompanhar o arroz com o bife acebolado.
Ao fazer a reclamação para a esposa, o amigo viu, perplexo, ela se levantar da mesa, ir até a despensa, pegar a lata cheia do precioso grão e atirar com toda a força no peito do chefe da casa.
E, ainda por cima, ela ironizou; "tá aí, o seu feijão".
Gritaria geral, bate boca na cozinha, o amigo para não interferir resolveu sair para a área de serviço.
Pouco tempo depois, silêncio total.
O amigo volta, preocupadíssimo, com medo do nosso herói ter perdido a cabeça e cometido alguma besteira e vê uma cena surreal.
O nosso valente mocinho estava agachado, sozinho, pegando os caroços de feijão espalhados pelo chão que, pacientemente, devolvia à lata, amassada pelo impacto na sua caixa toráxica.
E, de cabeça erguida e cheio de razão, arremata:
-"Meu amigo, a sorte dela foi o feijão não estar cozido, senão..."
E, assim, a rotina voltou aquela casa, antes dos quarenta e cinco.

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