terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Negócio entre meninos

Muitas pessoas tem, desde a idade mais precoce, um espírito empreendedor.
Alguns se tornam grandes empresários, enquanto outros apenas colecionam boas histórias.
Eu, por enquanto, estou no segundo grupo.
Mas, sempre fui muito criativo e arrojado, no momento de colocar em prática, as várias esquisitices que eu já bolei.
Em um desses primeiros (e mais marcantes) momentos de empreendedorismo infantil, quase me tornei um grande negociante de peixinhos ornamentais.
Tudo nasceu de uma necessidade premente.
O meu pai, cansado de não encontrar nenhum vasilhame vazio de cerveja, no depósito de garrafas, que era o quintal da minha casa, deu um ultimato: "não aceitaria mais a história de filho nenhum, ficar trocando as garrafas vazias (que no interior eram chamadas de 'cascos'), por picolés, na sorveteria do Rubão".
Aqui vale uma explicação: na década de 70, praticamente não existiam vasilhames descartáveis de bebidas, em geral. A maioria era envasada em garrafas, de vidro, retornáveis, ou seja, só se comprava cerveja ou refrigerante, levando a garrafa vazia até supermercado.
Como elas eram retornáveis, tinham um certo valor, por isso as sorveterias e os picolezeiros (aqueles que passam nas ruas empurrando um carrinho e apertando aquela sinetinha que chama a atenção de toda criança), estimulavam a garotada a trocá-las por picolés.
Como nunca tive uma mesada, só conseguia um sorvetinho extra, subtraindo alguma garrafa vazia do estoque do meu pai.
Bom, mas deixe-me voltar aos fatos.
Como já disse, eu tinha em mãos um grave problema: necessitava dos bons picolés cremosos da sorveteria da esquina e estava totalmente descapitalizado.
A solução seria tentar conseguir algum dinheiro, através do fruto do meu trabalho.
Depois de muito quebrar a cabeça, juntamente com um amiguinho da mesma idade (de uns dez anos), que passava pela mesma dificuldade, de fluxo de capital, tive uma idéia sensacional: vender peixinhos ornamentais (aqueles de aquário).
Lembramos que, no córrego onde sempre nadávamos (escondidos dos nossos pais, é claro), havia muitos peixinhos coloridos.
Nunca foi dada muita importância para eles, pois existiam aos milhares naqueles brejos.
Com uma peneira grande, de limpar café, fomos até lá e conseguimos coletar algumas dezenas.
No quintal da casa desse meu amigo, existiam dois tambores, que eram usados para armazenar água para alguma emergência (era comum a falta d'água, naquela época) e nos serviram de depósito provisório do nosso novo investimento.
Tudo bem escondido dos nossos pais, é óbvio, que sequer podiam sonhar que estávamos fazendo aquilo.
Negócio montado, faltava a parte mais importante: um comprador.
Se dependêssemos dos nossos vizinhos/amigos, estaríamos "fritos", pois nenhum deles recebia mesada e todos conheciam o nosso fornecedor de matéria-prima: o córrego.
Então, lembramos de um menino que morava na rua de cima, debilitado por uma hemofilia, sempre muito protegido pelos abastados pais, que gostava muito da nossa turminha, mas que não podia sair muito de casa (a sua mãe tinha certas restrições ao convívio com garotos mais agitados).
Conversamos com ele e, com um alto poder de persuasão, convencemos que seria muito vantajoso comprar o nosso produto, já que vendíamos peixinhos selvagens (pode isso), por um preço infinitamente inferior às lojas que existiam na cidade.
O pai do garotinho, convencido pelo próprio filho, montou aquário completo, com bombinha de ar, pedrinhas coloridas, tubarãozinho de enfeite, sereia, três tipos diferentes de algas e ração da melhor qualidade.
Nos comprou o estoque inteiro de peixinhos.
Pagou à vista e em dinheiro (não aceitávamos cartão de crédito, nem cheque pré-datado).
Pegamos todo o dinheiro e gastamos em sorvetes, picolés, bala de goma e tudo o que de melhor existia, feito a partir do açúcar, naquelas paragens.
Em um gesto de solidariedade, distribuímos a todos na nossa rua.
Mas, como nem tudo é perfeito, tivemos uma péssima notícia, alguns dias depois.
Não sei, se os peixinhos não se adaptaram bem à sua nova vida ou se foram tratados de maneira inadequada (talvez a ração tinha excesso de elementos proteícos, sei lá), mas pouco tempo depois, morreram todos. Isso mesmo, ocorreu um peixicídio no aquário do menininho hemofílico.
Depois de socorrer o filho, que teve um pequeno surto de nervosismo e frustração, o pai dele nos procurou para reaver o seu mau investimento.
Como não sabíamos que era necessária uma garantia para tal venda e já não tínhamos mais nada do que nos foi pago, percebemos a grande enrascada que acabávamos de nos meter.
Após uma ameaça aberta de contar tudo aos nossos pais, conseguimos um prazo de dois dias para repor o dinheiro investido pelo nosso primeiro cliente (engraçado, ele não aceitou novos peixinhos).
A solução encontrada (a minha segunda "grande ideia") foi conseguir a grana que devíamos, engraxando sapatos.
Peguei o material de engraxar que era do meu pai, o meu sócio fez uma caixinha improvisada com as sobras de um caixote de feira e fomos para um bar do nosso bairro, com alta concentração de possíveis clientes.
Só que existia um pequeno complicador nesse engenhoso plano: o ponto já tinha dono...
Um garoto de aproximadamente dezesseis anos, muito problemático (tinha um certo desvio de cárater) e muito forte, era o engraxate oficial daquele bar.
O seu nome verdadeiro eu nunca descobri, mas o povo o chamava de "Marcha Lenta" (devido aos seus pequenos problemas psiquiátricos).
Nem precisa escrever que nenhum outro profissional do ramo de polir sapatos, se metia a desafiá-lo.
Sabedores do seu alto grau de agressividade, esperamos ele se ausentar do local, para almoçar, e fomos tentar engraxar alguns sapatos e botinas.
Mas, a nossa esperteza de garotos de dez anos, sequer passava perto da dele que, desconfiado da nossa movimentação, escondeu-se para pegar-nos no momento em que começávamos a engraxar os sapatos do nosso primeiro cliente.
O meu amigo ao ver aquele ogro se aproximando, escafedeu-se, rapidamente.
Eu não podia sair correndo, pois o material que usávamos naquela empreitada, pertencia todo ao meu pai.
Ao tentar guardar tudo, acabei sendo pego pelo nosso desleal concorrente.
Resultado: escapei de uma surra, graças à intervenção dos bebuns daquele boteco, mas levei outra, bem dada, pelo meu pai, ao saber do ocorrido (ele teve, inclusive, que ressarcir o pai do menininho que nos comprou os peixinhos).
Sem falar que fiquei quase um ano sem poder passar perto daquele bar, que tinha os melhores Pastéis de Santa Clara da cidade...

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