quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Dia ruim

Tem certos dias, que parece que tudo conspira contra a sorte.
Me lembro bem daquele período de escassez de diversos produtos, que sumiam das prateleiras dos supermercados por conta de um mal fadado plano econômico do governo Sarney (lá pelos idos da década de oitenta).
Geralmente, acontecia com os produtos de primeira necessidade, como óleo de soja, arroz, farinha de trigo, entre outras coisas.
Era necessário fazer um pequeno estoque, quando algum desses itens aparecia nas gôndolas dos mercadinhos.
Como todos tinham a mesma ideia, geralmente gerava muito tumulto, intermináveis filas e um aumento momentâneo de preços, que garantia a quem se predispunha a pagar, a certeza de conseguir o bem de consumo. Em bom português, chegava a haver cobrança de ágio para quem quisesse ter a preferência na compra.
Um dos produtos que mais trouxe problema foi a carne bovina que, devido a baixos preços, sumiu dos açougues.
O governo chegou a confiscar "bois nos pastos".
Parecia aquele trecho de um cordel nordestino onde o fazendeiro se dizia dono do boi e o animal respondia que ele não era dele e sim "do Banco do Brasil".
No caso, os bois eram "do Brasil..."
Como na casa do seu Isaías não se conseguia fazer uma refeição decente, sem ter metade do prato, ocupada por um suculento bife, esse período acabou trazendo muitos problemas para o seu cotidiano.
Com a falta de carne bovina na sua cidade, ele resolveu ir até uma cidadezinha dos arredores, quase na divisa com Minas Gerais, para adquirir o precioso produto.
Ele pegou a sua potente Variant azul, colocou o filho pequeno no banco traseiro, ajeitou a caixa de isopor com uma razoável quantidade de gelo e se pôs na estrada, para percorrer trinta quilômetros em busca de um bom pedaço de contra-filé.
Logo na saída da cidade, o pneu traseiro estourou.
Debaixo daquele sol esturricante do interior paulista, fez a troca do mesmo.
Seria rápido se o macaco não prendesse um dos dedos dele, resultando em um hematoma significativo e gritos dignos de uma premiação de Cannes.
Reestabelecida a ordem, um trânsito infernal fez a viagem de meia hora, em uma esburacada pista simples, durar mais de três horas (havia tombado um caminhão de resina na estrada, causando um "pouquinho" de tumulto).
Mas, haviam chegado no local.
Ao sair do carro para sacar dinheiro no banco (precisava de uma boa quantia), o pai incumbiu o garotinho de olhar o precioso carro.
Com medo de ser assaltado, o filho desceu e trancou minuciosamente todas as portas, abaixando o pino da trava e batendo com força as mesmas (aquele modelo não precisava da chave para fechá-las), com a preocupação de certificar que tinha subido todos os vidros.
Orgulhoso do seu zelo, ele ficou embaixo de uma sete copas, só esperando o seu pai voltar do banco.
Ainda bem que o menino tinha feito isso, pois o local estava muito cheio e o pai demorou bem mais de uma hora na fila do mesmo.
Ao voltar para o carro e perceber que estava totalmente fechado (e bem fechado por sinal), o digno senhor quase teve um ataque cardíaco, pois a chave havia ficado na ignição, fato não percebido pelo menino.
Mais meia hora tentando abrir o carro, com a ajuda de uma multidão de curiosos, o nobre progenitor decidiu deixar a tarefa para depois, já que estava tarde e ainda não tinha chegado à casa de carnes.
Após andar mais um pouco até o açougue, teve uma surpresa, pois a fila estava imensa.
Parecia que a sua cidade inteira tinha pensado a mesma coisa e estava em peso no município vizinho para comprar um filezinho.
Mais uma hora naquela fila, sob o sol de final de tarde, com uma baita fome, já que ambos não haviam almoçado, finalmente chegaram ao balcão.
Um impaciente açougueiro os avisou que parte do estoque já tinha sido vendido e que somente havia "carne de segunda".
O pai se negou a voltar para casa de mãos abanando, então resolveu comprar uma peça de coxão duro, mas com preço de picanha (lembra do ágio).
Já voltando para o carro, bem desanimado, pensando em uma maneira de tentar abri-lo sem que tivesse que arrombá-lo, disse uma das poucas frases do dia, em que não havia palavrões:
- "Bom , pelo menos tudo de ruim que podia acontecer, já aconteceu!"
Então, começou a chover...

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