quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O professor

Timóteo era daqueles professores tradicionais.
Lecionava desde os tempos idos no grupo escolar de um bairro central da cidade.
Muito metódico e correto, sempre fora um defensor da moral e da ordem.
Tinha iniciado a carreira ainda na fase da palmatória, mas se adaptou sem muitas dificuldades às mudanças pedagógicas impostas pelo "correr dos anos".
Era um professor querido, já que estava dando aula para a terceira geração de alunos.
Nos tempos da ditadura foi ferrenho defensor das ideias da tradição, família e propriedade e, nos tempos de democracia, discute se são verdadeiros os benefícios dessa total liberdade de expressão.
Mesmo com essa característica um pouquinho reacionária, não deixava de ser querido, mas tinha uma vontade imensa de interagir melhor com todos.
Próximo da aposentadoria, encarou um desafio único.
Sentindo-se um pouquinho sozinho, pois continuava solteiro e com raros amigos, já cansado de sempre frequentar os mesmos lugares, sem companhia alguma, resolveu dar uma repaginada no seu visual.
Deixou de lado as calças de tergal, sempre engomadas, as camisas de linho, muitas com pequenos remendos nos fundos do colarinho, aquele sapatinho preto de amarrar e, mudou o seu guarda roupa.
Comprou tênis, um jeans de bolsos baixos e lavagem radical, camiseta de marca conhecida, com a foto do Elvis estampada e até um boné de grife de lutador de jiu-jitsu para esconder a sua calvície.
Para verificar o impacto do novo visual, resolveu ir até o centro da cidade para dar uma volta pelo local.
Pegou o ônibus no seu bairro e começou a perceber que as pessoas já haviam notado a diferença, pois o olhavam mais do que sempre ele já tinha visto.
Sentou-se no último banco e se pôs a imaginar como um novo homem.
Quem sabe não conseguiria chamar a atenção de uma jovem senhora, para poder dividir um pouco da sua sabedoria e solidão.
Em uma das paradas do ônibus, viu subir uma mulata de quase dois metros de altura, com um maravilhoso corpo modelado em uma calça tão colada, que parecia ter nascido dentro dela, equilibrando-se em um salto agulha e uma blusinha justíssima.
A moça ao passar na roleta, pelo cobrador, percebe a sua presença e ergue a sobrancelha.
Faz do corredor do coletivo uma passarela e vai caminhando lentamente, com olhar fixo para o Timóteo e, ao se aproximar, abre o sorriso mais lindo do mundo.
Minha nossa, apesar de ser bem mais nova que ele e ter a aparência de rainha da bateria de escola de samba, ela o encarava. Quem sabe, o seu novo visual não tinha mesmo, o repaginado.
Esse novo homem abre também um sorriso receptivo, encantado com tamanha beleza, oferecendo o banco do lado à aquela linda mulher.
Ah, era mesmo o seu dia, pois ela senta ainda sorrindo e, antes de receber alguma cantada ou elogio, tasca de maneira direta:
- "Oi, tio, tá lembrada de mim? Fui sua aluna na quarta série? O senhor tá diferente, hein! Tá aposentado?"

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