quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Simpatia

Para o tratamento de doenças, a atitude inteligente é procurar um médico.
Só ele pode diagnosticá-las, prescrevendo os medicamentos corretos para o paciente.
Mas, nem sempre essa obviedade acaba ocorrendo.
Muitas pessoas se julgam especialistas em tudo e como "conhecedoras do seu próprio corpo", acabam usando e abusando da automedicação.
Em alguns casos, chegam até mesmo a receitar remédios para os seus conhecidos: "olha, quando eu tive essa dor de barriga, tomei tantas gotas do medicamento tal e foi tiro e queda..."
Já em outras situações, quando se trata de pessoas mais velhas ou que vivem no interior (pesa também a questão financeira, é claro), aparecem as simpatias.
E o engraçado é que existe simpatia para tudo.
Para criança com bronquite, basta fazer um corte na soleira da porta, da altura exata dela e colocar uns fios de cabelos presos com fita adesiva. Quando o pequeno ultrapassar aquela altura, o mal vai estar curado.
Para cobreiro, uma boa reza é cercar a vermelhidão com tinta de caneta Bic, já é suficiente para impedir o crescimento do mesmo.
Casamento, basta roubar o menino Jesus de Santo Antônio, que a moça arruma marido na certa.
Para descobrir o segredo de alguém, basta beber o restinho da água no mesmo copo que uma pessoa começou a matar a sua sede.
E por aí vai...
Na minha cidade, no interior paulista, quase na divisa com Minas Gerais, ainda hoje é comum o povo buscar nas suas rezas, a diminuição e cura das suas mazelas.
Eu mesmo, desde criança recebi várias benzições e simpatias, pois sempre fui mirradinho e muito doente.
Se hoje não sofro de mau olhado, espinhela caída e quebranto, é graças à minha avó Zilda, uma excelente rezadeira, que ainda continua ativa no seu ofício de olhar pela boa saúde dos filhos e netos (se eu não fosse um celibatário convicto, ela também poderia rezar pelos bisnetos).
De todas as simpatias que eu já fiz ou ouvi, uma que eu tenho até hoje na memória aconteceu com um casal de vizinhos de parede, da casa dessa avó.
Seu Toquinho e dona Maricotinha.
Casal já passando dos quarenta anos de casamento, aposentados e com filhos morando longe, em outras cidades.
Tudo parecia bem tranquilo, quando seu Toquinho, sem motivo aparente parece que se desgostou da vida e começou a beber, frequentando diariamente todos os botecos da rua.
Além de gastar quase toda a sua aposentadoria, chegava muito bêbado em casa, gritando com a esposa, com os vizinhos e, na maioria das vezes, muito sujo e fedido.
A olhos vistos, o povo via um homem outrora exemplar, se definhar.
Dona Maricotinha tentava de tudo.
Muito religiosa, rezava, pedia que o padre conversasse com ele, buscava ajuda com psiquiatras e outros médicos, pedia que os filhos aconselhassem o pai e nada do seu Toquinho parar de beber.
Pelo contrário, quanto mais atitudes tomavam, mais ele se embriagava.
Até que, uma das vizinhas mais antigas, ensinou a dona Maricotinha uma simpatia infalível para o marido parar de beber.
Era necessário comprar uma garrafa de pinga bem vagabunda, tirar o seu rótulo e colocar na garrafa treze penas de urubu.
Isso mesmo encher a cachaça com o negrume etéreo da indefectível ave.
Ela garantiu à esposa do nosso querido bebum, que ele pegaria nojo da bebida e nunca mais voltaria a colocar na boca nenhuma caninha.
Como não restava muita esperança, ela fez direitinho o que a vizinha recomendou e, antes do almoço de domingo, ofereceu um bom copo da "nobre bebida" ao marido.
Seu Toquinho tomou a cachacinha em uma talagada só e repetiu a dose.
Pouco tempo depois sentiu-se um pouco enjoado e foi deitar-se, sem mesmo querer almoçar.
Bom, pelo visto a simpatia deu certo, pois seu Toquinho nunca mais foi no boteco encher a cara.
Agora, fica sempre em casa e pede diariamente para dona Maricotinha mais uma dose daquela "cachacinha dos deuses" que ela conseguiu para ele, naquele domingo...
E haja urubu!

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