quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Eleição

Na escola estadual em que estudei, havia uma maneira democrática de se escolher o professor que seria o orientador da sala.
Era através do sufrágio universal.
Os alunos votavam em um professor, que gostariam que fosse o responsável pelas conversas com a sala, que fosse o representante das nossas reinvindicações, um conselheiro e amigo.
E, na realidade, era isso mesmo que ele acabava se tornando: um amigo.
Então, havia muita responsabilidade nessa escolha.
A classe conversava antes e, de maneira pouco recomendável, acabava concentrando o seu voto em um professor específico que, geralmente, era aquele mais legal ou mais carismático.
Desde o primeiro colegial, a sala sempre escolhia a Dona Valdete.
Uma professora de geografia, solteirona, de sorriso tímido, bem pequeninha, mas com um domínio fantástico do conteúdo da sua matéria, da oratória e da retórica.
Era fantástica!
Foi, inclusive, quem me influenciou a seguir na minha atual profissão: sou professor de...geografia!
Mas, essas características não eram só admiradas pela nossa sala.
Em todas as turmas que ela dava aula, ganhava como orientadora, de forma quase unânime.
E como ela não podia ser a responsável por todas as salas, tinha que escolher uma.
Para não provocar nenhuma discussão, ela escolhia aquela em que obtinha o maior número de votos.
É óbvio, que as salas com mais alunos sempre venciam.
E a nossa, que era pequena, tinha que aceitar um outro professor, que geralmente ficava em segundo lugar na votação (por sinal, com pouquíssimos votos).
No segundo colegial, inclusive, todos votaram na Dona Valdete. Como nenhum outro professor foi votado, a direção do colégio indicou um nome. Foi um professor de física, que não gostava nem um pouco da nossa agitada turma.
No terceiro colegial, como de costume, já esperávamos que a Dona Valdete não ficaria como nossa orientadora.
Como poderíamos homenageá-la no final do ano, escolhendo o seu nome como paraninfa da turma, pensamos em colocar alguém da nossa preferência na votação do responsável pela sala.
Verificamos que a turma, formada majoritariamente por meninas, queria insistir com a nossa professora de Geografia.
Nós, sete meninos, percebemos que dessa maneira seria fácil elegermos um representante que nos agradaria.
Pensamos em vários nomes e chegamos na polêmica figura do nosso professor de filosofia: o padre Gerônimo.
Na realidade, era um ex-padre, pois tinha sido expulso da igreja católica, já que havia saído, algumas vezes, com algumas paroquianas.
Era negro, marxista, usava e abusava da dialética nas suas aulas e um defensor ferrenho das idéias socialistas (eu estudei na década de 80, em plena existência da extinta União Soviética).
Nem precisava escrever que, no final do período ditatorial, essas idéias nos fascinavam.
Como era uma figura pouco atraente, as meninas da sala o odiavam.
Era polêmico e direto.
Não deu outra.
No dia da eleição, com os nossos sete votos conseguimos eleger, pela única vez na história do colégio, o padre Gerônimo como representante de uma sala.
As meninas nos colocaram no ostracismo por alguns dias, mas valeu a pena, pois em nenhum ano da história do nosso grupo escolar, teve um representante de sala que lutasse tanto pelos interesses dos seus alunos.
Foi uma manobra eleitoral, que resultou em ganhos imensuráveis.
Uma exceção!
E, no final do ano, ele estava sendo homenageado, como patrono, ao lado da Dona Valdete, nossa paraninfa, eleitos de maneira quase unânime.

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