terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Pescaria

Hábito comum no interior é a pescaria.
Hoje em dia, com rios poluídos e poucos peixes à disposição, cresceu o número de pesqueiros, os famosos "pesque e pague".
Mas, no tempo que ainda se "amarrava cachorro com linguiça", a atividade era feita à beira de rios e córregos, sentado no barranco, municiados com varinha de bambu e minhoca.
Lembro-me das minhas primeiras pescarias ao lado do meu pai.
Íamos sempre em número suficiente para evitar qualquer tédio, caso não aparecessem seres que quisessem se submeter aos nossos anzóis.
A preparação começava na véspera, com a escolha da vara correta, específica para cada tipo de peixe.
Eu era encarregado de conseguir um bom número de anelídios, que eu buscava nos canteiros da horta dos fundos da casa da minha avó.
Tinha que fazer escondido, pois aquela história que "cada enxadada era uma minhoca", é coisa do folclore futebolístico.
Eram muitas enxadadas, que deixavam os canteiros praticamente destruídos, por isso tinha que fazer em um horário que ela não estava presente.
E depois, tentar ajeitar um pouquinho as cenouras, beterrabas e almeirões caídos.
Compravam-se mantimentos e muita cachaça (pena que o excesso de bebida acabava com a pescaria de algumas pessoas). Para as crianças fazia suco de groselha, que era colocado em garrafas limpas de leite.
Nos dias mais frios também se levava, em garrafas térmicas, um pouquinho de chá de cravo, para amenizar a umidade cortante da beira do rio.
Não existia vestimenta específica para a pescaria.
A minha mãe só deixava eu usar uma roupa bem velha, complementada por botinas e um boné.
O nosso transporte era uma velha Rural do meu tio, que ia apinhada de tralhas e pessoas.
O almoço era feito no próprio lugar, em uma parte mais afastada do rio, entre as árvores.
Em um desses momentos eu quis surpreender os presentes e fiz o arroz para o almoço.
Lavei bem os grãos, escorri, piquei cebola e alho, pus para fritar em uma pequena porção de óleo de milho e coloquei o arroz.
Tanto arroz, que quase chegou até a boca da caçarola.
Completei com água e fiquei observando a minha primeira grande aventura culinária.
Depois de algum tempo, vi que a tampa da panela estava estufando com o arroz crescendo e quase saindo da mesma.
Não pensei duas vezes, coloquei uma pedra em cima da tampa.
Naquele dia, depois da bronca, os peixes comeram uma pelota de arroz, bem temperadinha. E nós, passamos a biscoito Mabel.
Lembro-me também das várias histórias que o meu pai contava, como do dia que ele deu um banho em um tiziu (um passarinho preto, bem pequenininho, que dá pulinhos e emite um som parecido com o seu nome).
Ele estava pescando lambaris, praticamente imóvel, com aquela varinha bem fininha de bambu, quando um tiziu sentou na ponta dela.
O bichinho pulava e gritava "tiziu".
Dava um pulinho e caía no mesmo lugar.
Aquilo foi incomodando tanto o meu pai, que ele esperou um novo pulinho e tirou a varinha rapidamente.
Sem o apoio, o passarinho caiu dentro da água e só não se afogou, pois é uma avezinha safada, que adora tomar banho, saindo rapidamente para chacoalhar as penas em um galho de um jambeiro, poucos metros dali.
Eu adorava também aquelas de peixes grandes, cobras e assombrações que ele contava que sempre encontrava.
Eu mesmo nunca tinha presenciado nenhum desses três elementos nas nossas pescarias.
Além das histórias, das gargalhadas, das broncas e da chuva que sempre nos pegava, fica na minha memória o sabor delicioso dos lambaris (os únicos que conseguíamos pescar) bem limpinhos, batidos no fubá e fritos em óleo bem quente.
E o Rio Sapucaí, com as suas curvas e tanta discrição...

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