terça-feira, 22 de junho de 2010

Jogatina

Tem gente que não gosta de perder nem no par ou ímpar.
Outros nascem para o jogo (ou para jogar).
O meu avô era um deles.
Desde pequeno ficava apreciando as corridas hípicas bem comuns no interior do estado, onde grandes fazendeiros montavam poderosas equipes para não fazer feio nas competições, principalmente por correr muito dinheiro nelas (de apostas, é claro).
Já mocinho, viu muitas rinhas de galo e, mesmo não aprovando a crueldade delas, ia vez ou outra, somente para apostar algo.
Depois de adulto, formado em contabilidade e muito bem remunerado, sempre deixava boa parte dos seus rendimentos em alguma mesa de carteado, na loteria esportiva, em bilhetes da Federal ou no jogo do bicho.
Bastava ver alguma placa de automóvel, um número de casa ou uma combinação algébrica que lhe parecesse bonita, que ele logo jogava.
E, diga-se de passagem, até conferir o resultado, tinha a certeza que ganharia o prêmio.
Para se ter uma ideia, até na diversão da família, o jogo tinha um papel importante.
Quando ele viajava e visitava a casa de algum parente, o principal entretenimento era o baralho. Uma partidnha de buraco com as irmãs e sobrinhas (como ele circulava bem entre as mulheres, era impressionante) ou então um truco com os cunhados e sobrinhos.
E, independente do teor do jogo, ele nunca gostava de perder.
Quase sempre se aborrecia com os seus parceiros e esbravejava quando era contrariado na sua indelével lógica de jogador.
Quando ainda morava em Franca, lá pelos idos da década de 40, com os filhos ainda pequenos, também adorava visitar os parentes e amigos para um joguinho.
Era nos sábados à noite que rolava uma partidinha de víspora (ou vispa, como era conhecida lá na cidade, o jogo de tômbola ou bingo), sempre na casa do tio Jaime.
Já no final da tarde, a minha avó arrumava os filhos, dava o jantar mais cedo e por volta das seis da tarde, todos se dirigiam à casa da tia Maroca (irmã do meu avô e esposa do tio Jaime) para as costumeiras noites de sábado.
Enquanto a meninada se divertia na rua, os adultos se reuniam ao redor da pesada mesa de imbuia para as tradicionais partidas de vispa.
Todos levavam na brincadeira, menos o meu avô!
Queria sempre ganhar e não admitia jamais algum tipo de falcatrua que beneficiasse algum dos presentes.
Geralmente, começavam com sorrisos e brincadeiras e, quase sempre terminavam com o meu saudoso velho esbravejando impraupérios e saindo antes do jogo findar-se.
Era muito engraçado, pois todos sabiam do gênio forte dele e da sua "grande competitividade" e, mesmo assim gostavam de provocá-lo quando as pedras não saíam para que ele marcasse alguma sequência.
E, em muitos dias, ele se irritava tanto, que acabava com o jogo rasgando as cartelas de todos na mesa.
Apesar de parecer violento, os parentes nem ligavam e só as crianças achavam ruim ter que encerrar a brincadeira por conta do estresse de algo que deveria ser apenas diversão.
Era nessa ordem: aborrecimento, cartelas rasgadas, impraupérios e a família toda voltando para casa, com a promessa que ele nunca mais participaria de nenhuma partida, naquela casa.
Mas, como eu disse, o meu avô não conseguia ficar sem jogar, muito menos sem visitar a casa da irmã, no sábado à noite.
Então, no final de semana seguinte, acontecia sempre a mesma rotina: a minha avó arrumava os filhos, dava o jantar mais cedo e por volta das seis da tarde, todos se dirigiam à casa da tia Maroca.
Depois dos cumprimentos e de alguma conversa, o meu avô começava a ficar irriquieto, as pernas balançavam freneticamente, os dedos saltitavam uns sobre os outros, até ele não aguentar mais e sugerir aos presentes:
- "Pois é, bem que a gente podia jogar uma partidinha de vispa, né!"
E após a revolta dos parentes (que já sabiam que ele iria fazer aquela proposta), o meu tio sempre lembrava:
- "Claro que a gente podia jogar, só que você rasgou as cartelas no sábado passado, lembra!"
E ele, com a cara mais lavada do mundo:
- "Não tem importância, não! Eu comprei outras..."
E assim a vida ia seguindo, na gostosa rotina de sábado à noite...

Nenhum comentário:

Postar um comentário